Literatura
Emília Ferraz e Luiz R. Leitão

A ilha de 110 mil quilômetros quadrados, que abrigou Ernest Hemingway durante anos, revelou escritores, poetas e novelistas com obras de excelência desde o século XIX. O herói nacional José Martí, José Maria Heredia, Cirilo Villaverde, Ramón Meza e Gertrudis Gómez de Avellaneda foram os precursores.

No século XX, autores como Alejo Carpentier, Abilio Estévez, José Lezama Lima, Nicolás Guillén, Leonardo Padura, Guilhermo Cabrera Infante, José Soler Puig, Pedro Juan Gutierrez, Eliseo Diego e Dulce María Loynaz ganham reconhecimento internacional, colecionam prêmios e firmam a literatura cubana como umas das mais constantes, políticas, relevantes e influentes da América Latina e dos países em língua hispânica.

Ainda hoje a narrativa segue como um dos gêneros que mais tem se desenvolvido entre os jovens escritores, e nomes com Alberto Garrido e Ronaldo Menéndez, (ambos ganhadores do prêmio Casa de Las Américas) mostram a eloquente vitalidade da literatura de um país que nunca deixa de conceber poetas.

Ramiro Guerra, o famoso historiador positivista cuja obra é elogiada por Che Guevara, assinala que os fazendeiros importaram máquinas, construíram ferrovias e defenderam a imigração branca, porque conheciam a história das Antilhas Inglesas e "rechaçavam energicamente um futuro semelhante para sua pátria". Recorde-se que aquelas nações possuíam um grau elevadíssimo de concentração de terra e de mão-de-obra escrava africana: ao contrário do que muitos erroneamente supõem, a presença africana em Cuba jamais ultrapassou 50% da população, diferentemente de Jamaica e Barbados, onde o latifúndio promoveu uma radical reviravolta na composição étnica da nação.

Todavia, não houve como evitar a invasão do latifúndio, que veio a concentrar enormes extensões da melhor terra cultivável em mãos de umas poucas pessoas e terminou por destruir a pequena e média propriedade. "O latifúndio é um processo invertido: funde milhares de parcelas em grandes unidades agrárias, desarraiga o agricultor do solo, destrói a classe cubana de proprietários", lamenta o historiador. Durante quatro séculos, o país havia sido povoado gradativamente: cidades e vilas foram erigidas; promoveu-se a apropriação e divisão da terra entre os agricultores. Mas o gigante açucareiro irrompeu no solo cubano, acompanhado do capital externo e do trabalho importado a baixo preço, para reeditar, por certo, o trágico conto da decadência das Índias Ocidentais.

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O século XIX em Cuba testemunha a hegemonia da linguagem poética. A longevidade da poesia e do Romantismo na América Hispânica costuma incomodar o crítico mais afeito aos cânones europeus. É bem verdade que na periferia da Europa este gênero também logrou enorme receptividade: em países como a Hungria, cultiva-se um modelo de cultura mais literário, em que as grandes idéias não se expressam em obras teóricas (não possuíam nem Voltaire, nem Marx, nem Freud), mas sim nos textos dos poetas, sobretudo os líricos. Não há como esquecer a fecunda produção de José Martí, prócer da luta de libertação nacional cubana, onde se verifica igualmente o papel decisivo de seus escritos poéticos e o estilo cheio de memoráveis aforismos de suas crônicas mais famosas ("Nuestra América" é o exemplo clássico), ao passo que sua narrativa ficcional – e o romance, em particular – assume importância menor. Sem sombra de dúvida, montado a cavalo ou deslocando-se rapidamente de uma fronteira a outra, conveio magnificamente ao maestro a economia e o impulso vibrante daquelas formas.

"Filha de escravos e senhores" desde o limiar do século XIX, a cultura cubana engendrou uma ficção onde o rural é sempre concebido sob uma perspectiva urbana, pois os fazendeiros viviam nas cidades. Relembremos, por exemplo, um romance de notável ambiente cubano: Leonela (1993), de Nicolás Heredia, que antecipa com traços premonitórios a consciência crítica das classes médias frente ao trágico conflito de uma república submissa ao Império do Norte. É claro que o espaço metropolitano também reproduz a ineludível relação centro x periferia, conforme comprova a evolução da ocupação das áreas habaneras nas primeiras décadas do século XX, concentrada a princípio perto do porto, em Havana Velha, e deslocando-se depois para zonas mais seguras, como o Cerro ou El Vedado (paraíso dos construtores com suas propriedades suntuosas), seguindo pela costa ocidental até Miramar e Siboney.

A narrativa daquela época ilustra esse movimento nas urbes. Desde Cirilo Villaverde, para muitos críticos o primeiro romancista cubano, e sua obra Cecilia Valdés (1882), até os romances do tardio ciclo naturalista de Carlos Loveira e Miguel de Carrión, os signos espaciais – às vezes repletos de uma severa moral e propensos à adoção de um discurso hierárquico – nos evidenciam a existência de idênticos traços espirituais em diferentes cidades da ilha, inclusive o spleen da juventude criolla em La Habana e outras províncias, ou a especialíssima eclosão do flâneur caribenho. Afinal, a urbe é imprescindível para a formação de uma consciência nacional e a aparição do criollismo cubano; o mestiço, pouco a pouco, impõe sua fisionomia e perfil à população insular.

O grande "realismo", porém, não apresenta maiores vitórias dentro da literatura cubana. Quase nenhum autor pode ser comparado à desfaçatez e ironia de um Machado de Assis, aliás, o único brasileiro inscrito na suntuosa entrada da Biblioteca Nacional José Martí, cujo excepcional romance Memórias póstumas de Brás Cubas (dedicado por seu defunto autor ao primeiro verme que lhe roeu as frias carnes) inaugura a importantíssima Coleção Latino-americana da Casa de las Américas (para que se tenha uma noção mais precisa da deferência, o nº 2 é Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, do notável marxista peruano José Carlos Mariátegui). A exceção será, talvez, Ramón Meza, autor de Mi tio el empleado (1887), obra que, segundo as palavras de José Martí, representaria "uma careta feita com lábios ensangüentados".

Meza, a seu modo, cria um mundo aparentemente liberto do estigma do erro e do pecado, sem inserir-se em nenhuma racionalização ideológica postulada pela narrativa romântica difundida no final do século XIX. No entanto, apesar desse livro admirável, a cadeia do realismo em Cuba não consegue apresentar outros elos mais fortes na centúria, diferentemente da literatura brasileira, onde desde 1853, com a publicação de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, malandros e heróis "sem nenhum caráter", abusados e prenhes de cinismo, instalam-se no imaginário coletivo nacional.

O século XX será, de fato, o grande momento da literatura cubana. Bastaria para tanto citar o nome de Alejo Carpentier, cujo romance El reino de este mundo, reinvenção ficcional do célebre episódio da Revolução Haitiana, já prenuncia em seu prólogo o advento do realismo maravilhoso nas letras latino-americanas, várias décadas antes de Juan Rulfo, García Márquez, Vargas Llosa e outras estrelas do boom hispano-americano dos anos de 1960/1970. Este parece ser, aliás, o traço distintivo de nossos gênios: antecipar com sua narrativa profética fenômenos de posterior eclosão, como o fez Machado de Assis e seu defunto autor quase cem anos antes de que os mortos de Rulfo teimassem em não abandonar o mundo dos vivos nos desertos mexicanos.


INSTITUTO CUBANO DO LIVRO